sábado, março 12, 2005

o casamento

Harvest Wedding, Barbara Appleyard
Harvest Wedding, Barbara Appleyard

A mãe já a tinha avisado que deveria fazer os deveres todos antes das seis. Tão logo o pai chegasse, arrancariam para Lisboa e o fim-de-semana voaria, de maneira que quando regressassem no domingo à noite já não haveria tempo para fazer fosse o que fosse.
Filipa percebeu que tinha de ser cumpridora caso contrário tudo se complicaria para ela e sentou-se à secretária silenciosamente fazendo os trabalhos indicados pela professora. Misturava palavras difíceis com imagens do casamento da prima que ainda ia ocorrer no dia seguinte. A cópia e o questionário coloriam-se de pétalas de flores, as contas e os problemas picavam a pele como o arroz que se atira aos noivos e que provoca uma sensação incómoda. Sabia que a cerimónia não seria religiosa e tudo se passaria numa quinta. Quinta ou outro lugar qualquer, quando se trata de um casamento, o espaço escolhido tem sempre a solenidade de uma igreja.
Às seis em ponto, Filipa estava pronta, arrumada, sentada no sofá da sala agarrada ao Snoopy com o qual ainda dormia todas as noites. O pai demorava. A mãe agitada fazia a última inspecção. Janelas, quadro eléctrico, água, fogão. Bem, não seria a última. Filipa fartava-se de ver a mãe a inspeccionar muitas vezes a mesma coisa antes da sair de casa. Já estava habituada. Na sua cabeça, os noivos dançavam uma valsa, olhos nos olhos ao compasso implacável dos ponteiros do relógio meio escondido na estante, ao lado da televisão.

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