sábado, abril 30, 2005

momento


Piet-Bekaert, Garden of Lady Dream


O jardim está cheio de velhos dispersos pelos bancos de ripas vermelhas. Aqui um, ali dois, além um, ali uma, ali um magote observando os que jogam às cartas numa mesa desmontável. Uma mulher jovem, excessivamente magra, deambula à espera de uma moeda deixada por quem cruza o jardim na diagonal para encurtar caminho. Folhas de camélias oxidam no chão onde as raízes de algumas árvores despontam como veias salientes. No centro do jardim, no lago, um eterno dorso em mármore de um nadador aguenta o gesto de fender a tona da água de um verde estagnado. O jardim quadrangular está aprisionado pelo muro branco desbotado e pelo gradeamento verde-escuro. Em cada ângulo há um portão. De um lado, a biblioteca, do outro a igreja e o colégio, dos dois restantes o casario típico da cidade.
Eu estou também sentada num desses bancos, ao meu lado está um velho que, vez por outra, me olha à procura de um movimento. Eu estou estática como que envolvida por um outro espaço que não este, fechando toda e qualquer possibilidade de conversação. Ouço alguns pardais a refilar por entre o som dos motores dos carros que arrancam céleres ao sinal verde. Sei que à noite aquelas árvores são o pouso de milhares de estorninhos que vêm pelos céus em ondas negras de som e se acomodam nos ramos ao abrigo das folhas. Não sei se este é o tempo dos estorninhos, portanto não sei se hoje à noite eles virão e, também não sei os nomes das árvores. Sinto-me uma analfabeta. Dizer apenas árvores, olhá-las com a atenção com que as olho agora, reconhecê-las todas diferentes umas das outras pelo tronco e pela folhagem e não lhes saber os nomes é deprimente quanto baste para quem procura um nome para o que vê e para o que sente.
O velho mexe-se no banco, vejo-lhe uma nesga da cara enrugada e ouço-lhe a respiração asmática. Divirto-me com o que ele possa estar a pensar desta figura estranha que resolveu ocupar o lugar dos reformados. Seguramente que não deve ter dificuldade com os nomes em relação a mim.
Isso diverte-me e distrai-me, embora não consiga esquecer o que me toma o cérebro, como um trabalho inacabado.
Eu sei que estou a adiar a minha decisão, sei que é assim que reajo quando sou obrigada a escolher entre dois caminhos, sei que arranjo sempre outras coisas para me distrair do que tenho de fazer e, tentar saber os nomes das árvores, entrar em espaços que habitualmente não frequento ou outra coisa qualquer que me desperte a atenção, é uma forma de dizer que não quero decidir. E não quero. Pelo menos por enquanto.
Eu explico. Estou aqui sentada porque quando vinha a atravessar ali a rua reparei neste recanto romântico apenas na traça e me lembrei que aqui me sentei muitas vezes na adolescência, quando vinha do liceu com as minhas colegas apanhar, ali, naquela paragem, a camioneta para o subúrbio. Para não me alongar mais, digo que vim aqui à procura do ânimo e do estado de espírito que me animava naquele tempo. Reconhecer que sou capaz de reter a juventude é, para mim, um excelente antídoto contra o desânimo que ataca frequentemente na idade adulta. Mas não expliquei tudo.



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