
Maputo, marginal
É, Amélia era assim. Tudo tinha de estar um brinquinho. Não se misturava com os vizinhos nem saía ao domingo. Dizia que tinha dores de cabeça, que tinha de acabar uma peça, mas depois ia passear sozinha para a beira-mar e a zona chique de Lourenço Marques. Tinha um prazer em mentir. Até ao dia em que foi atrás de outro sonho. A narradora agradeceu, mas a narrativa não ganhou muito com isso. Amélia devia ficar.
Aqui fica o esquartejamento de um casaco à moda de Amélia.
Parece maior, a tesoura, assim olhada de perto: afiada, metálica, as duas lâminas afastadas, num longo bico voraz. Imagino Amélia cortando, retalhando. O casaco desfeito, sobre a mesa: a gola tirada para fora, como uma gravata de fantoche, as mangas larguíssimas, espalmadas, sem costura, o forro saindo pelos bolsos como entranhas de um animal abatido. (Tudo isto por causa de uma nódoa?)
Teolinda Gersão, A Árvore das Palavras.
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