Mark Rothko, Earth and Green
Agosto entrou no vestíbulo e entregou a credencial a um dos agentes de serviço. Passou pela máquina detectora de metais, mas antes, largou a bolsa nos rolamentos para que deslizasse para a radiografia. Os agentes não notaram nada de diferente, apenas o ordinário. Dentro da bolsa, as memórias de Hiroshima, Marylin e os barbitúricos Elvis e os hamburgers, estradas tolerância zero e o teste do balão, e muitas festas e romarias ao som de música mais ou menos pimba para miúdos e graúdos que a hora era de diversão. Nenhum deles ligou ao aspecto físico de Agosto, apenas registaram que o longo manto laranja que costumava usar parecia mais carregado, mais denso. Estava conforme. Deixaram-no entrar.
O salão era verde e muito amplo e dele emanava uma mistura de cheiros silvestres que parecia agradar a toda a gente que lá se encontrava. Agosto notou que as pessoas estavam descontraídas e animadas, tratando dos animais, recebendo familiares que não viam há muito ou mesmo partindo ou chegando tranquilas de lugares à beira-mar. Procurou distinguir os seus irmãos por entre os rostos que lhe sorriam e os braços estendidos que tentavam agarrar a veste, num misto de curiosidade e posse. Distinguiu de imediato Julho que, embora queimado, não assustava ninguém, ou ninguém parecia se lembrar dele. Viu o Junho sentado a um canto, cansado de tanta festa de Santos Populares e o Maio que se divertia a fazer raminhos com as flores que tinham sobrado do tempo em que comandava o ano. Os outros não viu, mas não procurou mais. Sabia que os que vieram primeiro já se tinham tornado transparentes e diluído pela imensidão de verde ali à sua frente.
Agosto caminhou com um sorriso matreiro piscando o olho aqui e ali. Este movimento era correspondido pelas pessoas que ficavam mais felizes ainda por serem distinguidas com piscadelas de olho de tal gabarito. Cada vez que piscava, uma lágrima incandescente corria-lhe pela face e caía no chão. Seria uma particularidade a que ninguém daria valor se um cheiro a queimado não começasse a tomar conta do salão e uma discreta nuvem de fumo originasse ataques de tosse nos mais pequenos.
Se alguém à entrada tivesse estado atento ao sorriso e ao olhar de Agosto, saberia que ele não podia, de maneira nenhuma, entrar sozinho no salão. Deveria levar uma comitiva que o assessorasse, que desse um espaço entre ele e a multidão, que levasse uma taça onde as lágrimas fossem recolhidas e guardadas como fogo sagrado.
Os bombeiros ainda acorrem e andam aflitos porque arde em todo o lado. As pessoas choram e fogem destroçadas, os animais atarantados resignam-se à sua sorte e o Agosto, que devia andar sempre vigiado, por todos, está ali no meio a ajudar a apagar o incêndio.
laerce
O salão era verde e muito amplo e dele emanava uma mistura de cheiros silvestres que parecia agradar a toda a gente que lá se encontrava. Agosto notou que as pessoas estavam descontraídas e animadas, tratando dos animais, recebendo familiares que não viam há muito ou mesmo partindo ou chegando tranquilas de lugares à beira-mar. Procurou distinguir os seus irmãos por entre os rostos que lhe sorriam e os braços estendidos que tentavam agarrar a veste, num misto de curiosidade e posse. Distinguiu de imediato Julho que, embora queimado, não assustava ninguém, ou ninguém parecia se lembrar dele. Viu o Junho sentado a um canto, cansado de tanta festa de Santos Populares e o Maio que se divertia a fazer raminhos com as flores que tinham sobrado do tempo em que comandava o ano. Os outros não viu, mas não procurou mais. Sabia que os que vieram primeiro já se tinham tornado transparentes e diluído pela imensidão de verde ali à sua frente.
Agosto caminhou com um sorriso matreiro piscando o olho aqui e ali. Este movimento era correspondido pelas pessoas que ficavam mais felizes ainda por serem distinguidas com piscadelas de olho de tal gabarito. Cada vez que piscava, uma lágrima incandescente corria-lhe pela face e caía no chão. Seria uma particularidade a que ninguém daria valor se um cheiro a queimado não começasse a tomar conta do salão e uma discreta nuvem de fumo originasse ataques de tosse nos mais pequenos.
Se alguém à entrada tivesse estado atento ao sorriso e ao olhar de Agosto, saberia que ele não podia, de maneira nenhuma, entrar sozinho no salão. Deveria levar uma comitiva que o assessorasse, que desse um espaço entre ele e a multidão, que levasse uma taça onde as lágrimas fossem recolhidas e guardadas como fogo sagrado.
Os bombeiros ainda acorrem e andam aflitos porque arde em todo o lado. As pessoas choram e fogem destroçadas, os animais atarantados resignam-se à sua sorte e o Agosto, que devia andar sempre vigiado, por todos, está ali no meio a ajudar a apagar o incêndio.
laerce
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