quinta-feira, fevereiro 02, 2006

de passagem


Darrell Gulin


Estou de passagem por este lugar e, enquanto estou, este lugar é meu. O lugar está povoado pela minha infância mas esticou-se no tempo e eu estiquei-me com ele. Quando me olho lá na ponta de mim, vejo-me pequena e só, sentada no passeio, perguntando pela mãe a uns rostos que me inspeccionavam, que me tiravam a pinta, de quem eu era, quem era a minha mãe, como é que eu ali fui parar. E eu a apontar a direcção, dali, vim dali, subi a rua, sei que já estive por aqui com a mãe. Então estás enganada, viraste à esquerda quando devias ter virado à direita, lá ao fundo, vês a pedra branca, em frente há um carreiro, vai, desce pelo carreiro, vais dar à Touta, é por ali. E eu a levantar-me e a caminhar, os rostos parados e cada vez mais pequenos em corpos envoltos em roupas coloridas de primavera sob um sol quente, as pegadas na terra batida e a pedra branca mais perto com o carreiro em frente e eu no carreiro sentindo as sombras sibilantes das árvores num olhar receoso para lá dos troncos, das folhagens. O medo de alguém surgir do meio daquele cheiro intenso de eucaliptos e pinheiros - um lobo não, eu não sou a capuchinho vermelho - e o alívio dos campos conhecidos ao fundo, a Touta.
Os pés das dálias eram maiores do que eu, dálias de muitas cores, um campo de dálias. A mãe apanhava dálias.
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