quarta-feira, março 29, 2006

colagem à letra


Underneath Red Paper Umbrella


Cumprimento as pessoas que vou encontrando pelo caminho: um colega, os alunos do tecnológico na mini feira de livros e outros objectos, montada no átrio para angariar fundos para a viagem de finalistas, o porteiro. Tudo vai ficando para trás diante deste dia cinzento e chuvoso.
Atrapalhada, seguro o guarda-chuva, a pasta, mais uns papéis e procuro a chave do carro. Depois da aula de literatura anseio chegar a casa. Tenho a minha cabeça preenchida com uma cor: o vermelho, um nome: Maria Monforte, e um momento: a apresentação a Afonso da Maia. Quero reler esse momento. Vêm-me à cabeça os textos do aluno, excelentes, que saíram publicados no jornal da escola, preciso de os reler também, tenho-o pressionado para que participe no concurso que levamos a cabo pelo terceiro ano consecutivo. O concurso termina a 31 deste mês, sexta. É muita pressão. Só o conheci anteontem, falei com ele ontem na biblioteca, procurei-o hoje e não o vi. Ligo o carro, ouço os ABBA há uma eternidade na curta viagem que faço da escola a casa e vice-versa. Quando os ABBA estavam nos tops, desdenhava-os, era muito soft aquilo num tempo de Sex Pistols, Genesis, Black Sabbat , Deep Purple, Pink Floyd, e por aí. Quero lá saber!Gosto da harmonia daquelas vozes, das letras, money, money, the winner takes it all, mamma mia, os gostos também vão mudando não é assim? Então…
Não encontro Os Maias, anotados por mim há séculos, no meio destes livros todos, não o vejo. Tenho a certeza dele aqui em casa.

Já tenho o livro na mão, as músicas abafei-as com o som da televisão em rodapé na minha vida, penso no miúdo e na escrita, no fingimento da escrita, ouvi dizer que aquilo não é fingimento. Por via do concurso posso chegar a ele, podemos.
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Daí a dias, Afonso da Maia viu enfim Maria Monforte.(…) Maria, abrigada sob uma sombrinha escarlate, trazia um vestido cor-de-rosa, toda em folhos, quase cobria os joelhos de Pedro, sentado ao seu lado. (…)
-Caramba! É bonita!
Afonso da Maia não respondeu: olhava cabisbaixo aquela sombrinha escarlate que agora se inclinava sobre Pedro, quase o escondia, parecia envolvê-lo todo – como uma larga mancha de sangue alastrando a caleche sob o verde triste das ramas.

Eça de Queirós,
Os Maias

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