domingo, janeiro 23, 2005

visita de estudo II


Blue II, Jo Crowther


O alvoroço era contido dentro da sala. Estava uma tarde bonita mas devíamos aguardar lá dentro calmamente a chegada da camioneta para não perturbar o funcionamento das outras classes. A minha mãe tinha-me dado duas moedas de vinte e cinco tostões para eu gastar no que quisesse. Guardei-as no bolso a que, vez por outra, chegava a mão para me certificar de que não as tinha perdido. A sacola que servia para levar o livro, os cadernos e a lousa fazia as vezes de lancheira, com as sandes, as batatas fritas e a laranjada. Um ronco demorado e agonizante anunciou a chegada da camioneta ao largo. Entrámos disciplinadamente acotovelando-nos pelos lugares à janela. Eu sentia que vivia um momento soberano: a escola oferecia-me uma ocasião de sonho e viagem, mesmo que fosse a poucos quilómetros de distância, mesmo que fosse a uma estação de tratamento de águas.
Não consigo lembrar-me de nada da parte exterior do edifício, sei que entrámos por um corredor que nos deu acesso a uns passadiços colocados ao longo de cisternas obscuras e silenciosas. O ar era húmido e frio e ouvia-se um som abafado de máquinas cortado pelas explicações de alguém sobre o funcionamento da engrenagem. A água aparecia nítida, filtrada pelos raios de sol que entravam pelas frestas das janelas fechadas, colocadas à altura do passadiço. Tudo ali tinha um aroma de igreja, algo nos intimidava mas não roubava a nossa puerilidade. Palavra daqui, palavra dali, encontrão, pisadela, movimentos despreocupados e uma das moedas a saltar do bolso, a cair em pé e a iniciar uma angustiosa viagem para o abismo. Fez plof na água, um som que só eu escutei.

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