domingo, fevereiro 20, 2005

mimi, (conclusão)


Paula Rego, Dog Woman

Quando saiu do museu já era noite fechada e estava mais frio ainda. Uma chuva miudinha e irritante obrigou-a a correr para o abrigo da paragem onde se encontravam outras pessoas em silêncio interrompido pelos carros que circulavam com lentidão. À chegada do autocarro Mimi entrou, mostrou o passe que trazia no bolso junto ao telemóvel e foi sentar-se lá no fundo. O autocarro circulava cheio e Mimi observava os outros como se ainda estivesse no museu. Já quase a chegar a casa, um arrepio percorreu-lhe a espinha. A carteira. Sim, tinha-a levado, mexeu-se incomodada. Sim, deixou-a no banco onde pensara descansar. Olhava à sua volta. Não, não podia voltar ao museu. Muitos olhos a miravam de verdade. Tinha que voltar ao museu. O cheiro do regresso a casa a invadir as narinas. Não. Deixaria para o dia seguinte, pediria à amiga mais uma vez. Levava pouco dinheiro, um bâton, fotos dos filhos, pouco mais.Lembrou-se que o bilhete de identidade, quase de certeza, estava dentro da carteira. Não podia voltar, era muito tarde, não teria desculpa. Amanhã.
As chaves também ficaram na carteira. Tocaria à porta, esqueceu a carteira no emprego. Amanhã.
Tocou à campainha. Ouvia os miúdos a brincar e o som da televisão alto. Tocou outra vez e sentiu os passos do marido a quem saudou com um beijo distraído. Dirigiu-se para a cozinha apressada e distante quando o telefone tocou. O espanto do marido invadiu a sala, a casa, a cozinha. Museu?Margarida? Não teve tempo de lhe perguntar nada.Mimi olhava-o poderosa e enigmática e se não estivesse tão exaltado ouvi-la-ia rosnar.

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