
Paula Rego
Margarida era-lhe subitamente mais familiar, ali, diante daqueles quadros. Prestava agora alguma atenção, já não era repulsa o que sentia. As personagens retratadas pareciam ter uma alma. Reparou numa mulher enrugada vestida de vermelho velho, sentada numa cadeira mas inclinada sobre a mesa onde parecia ter esquecido a cabeça em cima dos braços cruzados. O cansaço que sentia, do emprego, do quotidiano necessário mas monótono, de si própria cumprindo gestos maquinais foi-se dissipando, dando lugar a uma curiosidade por tudo o que estava à sua volta naquele mundo indiferente a ela. Que nome teria aquela mulher, e a outra de vestido amarelo que segurava o cigarro no côncavo da mão e a outra que mantinha as pernas afastadas displicentemente escondidas pelo vestido verde que lhe realçava as pernas musculosas. Devia aproximar-se, ler, sentir, tocar era proibido, mas podia ouvir a energia sanguínea daqueles corpos aprisionados em molduras.
Voltou à primeira sala. Se o guarda tivesse reparado nela, veria uma mulher-cão que se desprendeu da tela para se descobrir ali, no meio de novos visitantes. Eram grupos de estudantes mais ou menos disciplinados, emitindo pontos de vista sobre tudo que ela desconhecia. Procurou captar frases, meias frases que não lhe acrescentaram nada. Olhava com atenção os quadros. Numa parede uma mulher morta sobre a areia dava-lhe a dimensão da tragédia asiática, centenas de vezes vista na televisão. Na parede oposta uma outra avantajadamente vestida de branco parecia vender guloseimas acolitada por um mascarado e um de cara descaída com um chapéu de coco em cima. No outro uma cigana lia a sina a uma desconsolada com a bandeira portuguesa como pano de fundo. Tudo aquilo lhe revelava a explicação que inconscientemente procurava: o caminho da libertação está dentro de cada rosto. O que estava à sua frente eram rostos vulgares e verdadeiros, mas com vida animada pela porosidade da tinta.
Voltou à primeira sala. Se o guarda tivesse reparado nela, veria uma mulher-cão que se desprendeu da tela para se descobrir ali, no meio de novos visitantes. Eram grupos de estudantes mais ou menos disciplinados, emitindo pontos de vista sobre tudo que ela desconhecia. Procurou captar frases, meias frases que não lhe acrescentaram nada. Olhava com atenção os quadros. Numa parede uma mulher morta sobre a areia dava-lhe a dimensão da tragédia asiática, centenas de vezes vista na televisão. Na parede oposta uma outra avantajadamente vestida de branco parecia vender guloseimas acolitada por um mascarado e um de cara descaída com um chapéu de coco em cima. No outro uma cigana lia a sina a uma desconsolada com a bandeira portuguesa como pano de fundo. Tudo aquilo lhe revelava a explicação que inconscientemente procurava: o caminho da libertação está dentro de cada rosto. O que estava à sua frente eram rostos vulgares e verdadeiros, mas com vida animada pela porosidade da tinta.
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