sábado, abril 09, 2005

tão longe (conclusão)


Salvador Dali


Ouviu os seus próprios passos arrastarem-se pela tijoleira fria e o ganido do cão lá fora. Não deu conta de ter acabado o chocolate, mas sentia-se enjoada. Desligou a televisão e foi para a casa de banho. Deixou correr a água e com as mãos em concha ia bebendo, lavando o rosto, observando o vórtice que se formava no ralo. Olhava a sua figura no espelho e via-se estranha de si mesma e absolutamente só. Ao passar no corredor sobressaltou-se com o que pensou ser uma sombra e raspou com o braço na superfície rugosa da parede. Aquela sensação abrasiva distraiu-a dos seus pensamentos e, como uma criança acanhada mas curiosa, caminhou pressionando ora um braço ora outro contra a parede como se estivesse num labirinto. Sentir a dor física abrandava a dor interior. Podia controlá-la, pelo menos.
Joana está deitada e sonha. Junto da mesinha de cabeceira vê um vulto. Na posição que está só distingue as pernas, paira sobre ela uma respiração controlada e sussurrante. Não tem coragem para se mexer, tem medo de saber quem está ali, quer fugir e não tem forças sequer para mexer os braços que lhe doem. Sente o movimento do vulto que se inclina sobre ela e sons insistentes de alguém a bater à porta. Abriu os olhos e tudo esmoreceu excepto o toque já seu conhecido, confirmado pelo silêncio do cão. Não se levantou, virou-se para o outro lado e aguardou.


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