sábado, abril 09, 2005

tão longe lll


Ned Young ( com efeitos)

Fazia o zapping constantemente com o som desligado. O único barulho que se percebia era o ruído seco das bolachas a quebrar na ponta dos dentes. As imagens sucediam-se na sua cabeça como um álbum a que se regressa para se viver a recordar. Lá estava o primeiro encontro no meio de amigos, a cor da camisola, o corte de cabelo, a indiferença, o segundo encontro no meio de amigos, o corte de cabelo, o olhar e a curiosidade, o terceiro encontro, por acaso, a curiosidade e os mesmos gostos, que coincidência. Joana via o nascimento do primeiro filho, as constantes ausências, um trabalho tardio, uma viagem para um jogo de um qualquer grupo desportivo de uma qualquer instituição, que isto de desporto faz bem e é mente sã em corpo são, e mais um fim-de-semana fora e um número e um nome a mais. O segundo filho já para segurar as pontas, e vem a mãe e diz e vem a amiga e desdiz e o amigo que compreende, que lamenta, que não sabia, que é só uma aventura.Uma? E as outras?
Mas Joana amava-o, tinha até despertado o gosto por fazer renda, estava a cumprir o seu papenélope. O amor tudo perdoa como se diz nas telenovelas reais da televisão e as olheiras e as rugas de expressão saem bem com tantos produtos de estética que andam semeados nos expositores dos supermercados, das farmácias e de mão em mão nos locais de trabalho com direito a revistas de cores apelativas. E as crianças? Por elas e por ela, podia ser que. Há sempre uma segunda chance, depois de todas as outras. Esta era uma segunda chance. As bolachas tinham acabado, Joana regressou à cozinha, abriu um armário e tirou uma tablete de chocolate.

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