quinta-feira, dezembro 22, 2005

natal é só se um homem quiser


Definitivamente, o espaço físico tem um lugar preponderante em qualquer história. Há certas histórias que, sabemos, só têm o seu significado pleno dentro de um determinado espaço. Depois de ler Morte em Veneza, não consigo imaginar outro lugar onde aquela personagem martirizada pela paixão pudesse esvair-se na miragem da felicidade eterna. Todos sabemos que há histórias em que os lugares aparecem nitidamente definidos, minimamente definidos, indefinidos. Seja como for, já há muito que oriento as minhas leituras para o que o autor nos vai dando dos lugares. Se há autores que são copiosos e mostram o brio que colocaram na disposição das peças, na limpeza dos móveis, na combinação de cores, na harmonia geral. Outros são mais resumidos e mostram apenas a fotografia em cima do móvel, o arranjo ou o pormenor da vista sobre a rua, outros ainda mostram só uma porta fechada e indicam que a chave se encontra algures no edifício. Isto de comparar o lugar da história com uma casa será talvez um excesso de… Natal. No Natal temos uma necessidade maior do aconchego de quem amamos, do calor de uma casa, de uma lareira, de qualquer coisa que nos aqueça o corpo e o espírito. Um livro muitas vezes faz isso…mas não no Natal. Não. A menos que esteja embrulhado, ali, no meio de outros misteriosos objectos e que se confunda com uma caixa de chocolates.

A história que acabei de ler passa-se numa casa. A casa é mesmo o lugar, nada de confusões. Uma casa vazia de gente. Há um silêncio a roer uma fotografia de um rapaz fardado, um pouco amarelecida, se olharmos bem. Há um relógio atrevido a marcar o tempo. Há o tempo. Entardecer de um dia de chuva, em Dezembro, muito próximo do Natal – é engraçado pensar que em outras latitudes o Natal é calor, praia, sol. Frio. A casa está fria. Neste momento, misturo o passado, o que li, com o presente, o que estou a contar: Eu estou dentro da casa, pronto, na sala, junto da fotografia…examino-a curiosa daquela figura. Observo tudo à minha volta, sim como se lesse um livro, e tenho a certeza que ali ainda há muita vida, talvez uma vida de espera, desencanto, de aceitação mas vida, respiração, portas abrir e a fechar, luzes, roupa estendida, cheiro de comida, cartas em cima da mesa, flores ainda não muito velhas. Alguém abre a porta.
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