domingo, outubro 30, 2005

leitura


Eric Kamp


Estação

Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho

Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça.

Mário Cesariny
entre parênteses




Esta é a instrução para amanhã.
O domingo é um parênteses, hoje quero apenas ser.



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sexta-feira, outubro 28, 2005

Acaso




Klimt, The Apple Tree



No acaso dos teus olhos
Vi a memória do paraíso
Com sabor a fruta sem pecado




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quinta-feira, outubro 27, 2005

o dia nasceu assim hoje...


instante

...e na pressa implacável do tempo ainda pude captar a luz que me ilumina.
hora



Tenho o silêncio da despedida
envolto num véu de saudade
dentro do meu rosto.

Recolho-o no coração e parto também
com o vento que me traz a tua voz.



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terça-feira, outubro 25, 2005

Competência 2





Volto ao meu diário como quem sabe que um bom desabafo ajuda a descomprimir e a ganhar forças. Há palavras que me ferem pelo que escondem e pelo que revelam. Ranking é uma delas. Não que me incomodem os estrangeirismos, é mesmo o significado novo que essa palavra vai ganhando numa evolução semântica silenciosa e inevitável face à realidade do ensino no país.

Ranking das escolas significa hoje em dia muito mais do que uma lista oficial que estabelece uma classificação de acordo com determinados critérios. Ranking significa a incapacidade de quem comanda este país desde há trinta e um anos. Ranking significa o desprezo pela realidade em função de um cenário que esconde a incompetência dos laboratórios de experiências educativas que sistematicamente criam pequenos monstros em tubos de ensaio e os vão remetendo para as escolas em despachos e despachos e despachos. Ranking significa a ignorância face às condições reais em que muitos professores e muitos alunos vivem e trabalham e que vão sendo salientadas de muitas e variadas maneiras por todos aqueles que se interessam pela educação. Ranking significa o artifício e a ilusão de sucesso apenas para alguns, mas que enganosamente se pretende estar acessível a todos.


Por isso, apetece-me dizer que andamos à deriva ainda neste país que não se desprendeu da Europa mas seguramente baralhou as coordenadas e, numa ânsia de apanhar o comboio do progresso, esqueceu o manual de instruções. E, para terminar, que tal a palavra sucesso, o que significará ela de facto? E a expressão Componente Não Lectiva? O que será isso?
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segunda-feira, outubro 24, 2005

substância


Darlyne A. Murawski

Onde está a poesia
no dia-a-dia?
Numa rua,
numa montra,
num livro
que não se encontra?
Numa face,
num olhar,
num sorriso
a despertar?
Na criança
pela mão,
no velho,
na solidão?
Na tristeza,
na alegria,
no sonho
de cada dia?


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sexta-feira, outubro 21, 2005

imagem




Por momentos, apenas num delírio,
vimos a mesma luz, a mesma cor.
A nossa sombra prolongou no infinito
o eco, leve e solto, do amor.







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quinta-feira, outubro 20, 2005

cansado




Deixá-lo dormir. Só aqui em casa repetiu à exaustão: I love you, ou qualquer coisa parecida. Sei que anda por aí a circular na net. O teu mail pode ser o próximo e, olha, vais-te fartar de rir.
labor



Eric Kamp

Consumei o verbo amar
quando dei o nó
e, com os dentes, cortei a linha.

quarta-feira, outubro 19, 2005


ler e reler

Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!

Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.


Camões

segunda-feira, outubro 17, 2005

sarcofila


Todd Gipstein

Ele esmagava uma folha que caíra da árvore sobre a mesa do bar. E como para lhe dar de presente alguma coisa, ele disse:
- Sabe o que é a sarcofila?
-Nunca ouvi esta palavra, respondeu.
-Sarcofila é a parte carnosa das plantas. Segure esta e sinta.
Estendeu-lhe a folha, Lóri tacteou-a com os dedos sensíveis e esmagou-lhe a sarcofila. Sorriu. Era lindo dizer e pegar em: sarcofila.

Clarice Lispector, Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres

domingo, outubro 16, 2005

um...




...tapete de Arraiolos fica sempre bem.

sábado, outubro 15, 2005

palavras


Georgia O Keeffe,Lake George,Autumn

Sabes que as palavras se alimentam de ti
como a criança do seio materno?
E que se fortalecem
(carne da tua carne, sangue do teu sangue)
à medida que as deixas pelo caminho
com o olhar sereno e protector
de quem vê um filho crescer?

E sabes que as palavras
te vestem com as cores das estações
e dançam à tua volta na leveza do ar
e, quando partes, elas te fazem permanecer
naquele lugar, com aquele aroma,
com aquele sabor?

E sabes, saberás com certeza,
que elas se unem em versos
para te celebrarem na passagem
das datas marcadas no calendário
do mundo perfeito, o mundo em ti?

sexta-feira, outubro 14, 2005

post scriptum




O meu corpo é o meu tempo.

quinta-feira, outubro 13, 2005

deserto



Encosto a tua voz à minha pele
na memória antecipada de um beijo líquido
sobre o deserto da tua imagem.

terça-feira, outubro 11, 2005

pertença



Social Lemons


Na pirâmide das necessidades de Maslow, a de pertença é a terceira.

segunda-feira, outubro 10, 2005

aparência


Pat Canova


Vamos recomeçar, dizes
e traças na luz deserta do dia
o sulco antecipado do barco pelas águas.

Se me olhasses, verias que faço parte de uma paisagem
com memórias espalhadas pelo rosto.
Verias que não sou eu que te acompanho.



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laerce

domingo, outubro 09, 2005

simulacro


sábado, outubro 08, 2005

dentro




Gustav Klimt

É uma floresta à minha volta
para simular o sossego
e esconjurar a inquietação.

Hoje é dia de silêncio.
Há rostos que me fixam
com um sorriso escarninho.
Não quero vê-los.

Quero o rumor das árvores
na cadência dos meus passos.
Quero dizer que sou.


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laerce

sexta-feira, outubro 07, 2005

imaginário




...sem palavras.

quinta-feira, outubro 06, 2005

o beijo


Rodin


Persigo-te pelos corredores vazios
E sinto a tua respiração sustida atrás das portas
Quando toco as paredes de mármore colorido

Sei que te transfiguras nas flores e nas árvores
E a natureza transpira a luz de todas as estações
Com a regularidade dos movimentos telúricos

Agarro o crepúsculo palpável dos aromas
E das linhas do teu corpo com a forma de um deus
O deus que adormece por momentos nos meus braços


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laerce

quarta-feira, outubro 05, 2005

antes e depois de 5 de outubro de 1910


Mitch Ostapchuk



Irás ao paço. Irás pedir que a tença
Seja paga na data combinada
Este país te mata lentamente
País que tu chamaste e não responde
País que tu nomeias e não nasce

Em tua perdição se conjuraram
Calúnias desamor inveja ardente
E sempre os inimigos sobejaram
A quem ousou mais ser que a outra gente

E aqueles que invocaste não te viram
Porque estavam curvados e dobrados
Pela paciência cuja mão de cinza
Tinha apagado os olhos no seu rosto

Irás ao paço irás pacientemente
Pois não te pedem canto mas paciência

Este país te mata lentamente

Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, outubro 04, 2005

aqui



Diane Romanello


Aqui, nestas palavras cabe um barco
cabemos nós dentro do barco
e cabe um rio
até à outra margem.

Aqui, nestas palavras cabe um desejo
cabemos nós dentro do desejo
e cabe o destino
cumprido da viagem.

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laerce

segunda-feira, outubro 03, 2005

eclipse





Também vi. E tu?

domingo, outubro 02, 2005

velado


Brian Gordon Green

Não quero que o meu amor te pese nas mãos
como malas de viagem no cais de embarque.

Nem quero que te fira os olhos com lágrimas
no momento do adeus abafado num soluço.

Não quero ligado a nós nenhum lugar,
nenhuma música, nenhum momento do dia.

Quero mesmo ser o sussurro do riacho,
a água fresca ou a brisa que te afaga o rosto.

Quero que o meu amor seja uma luz
diante dos teus passos, de todos os teus passos.

Quero que sorrias enquanto dormes
Enquanto teço a teia em que te prendo.


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laerce

sábado, outubro 01, 2005

dedo


Dedo de Deus, Teresópolis, Brasil

As montanhas também fazem perguntas a que não sabemos responder.
little girl blue


Janis Joplin


Para não esquecer.

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