quinta-feira, maio 11, 2006

divagação


Soletro passos à volta da mesa
antes de me decidir a escrever o que quer que seja,
pois devo escrever o que quer que seja
para sinalizar um percurso:
dantes era assim, agora sou assim.
Fiz isto antes, faço isto agora - e que diferença…
A diferença de um estudo onde cabe a realidade, sempre
um esboço por concluir, sempre.

Ontem estive numa igreja,
havia um mendigo adormecido, endurecido
no chão,
entre os dois últimos bancos,
nas minhas palavras cabe o mendigo imigrado
de cor vermelha do vinho, da vodka.
Cabe também dentro de uma igreja
e desvia o recolhimento e a oração
pelos nossos,
por nós, as nossas promessas, as nossas viagens
as nossas velas acesas,
e lembra a exclusão, o racismo, a crueldade velha no largo da igreja,
há séculos atrás, a contrariar os brandos costumes
- lugar comum com direito adquirido como a bandeira à janela
e o direito adquirido, ele mesmo.


E vi umas mulheres à volta do mendigo,
a tristeza, a aflição, a morte ali deitada,
o telemóvel e um pedido de ajuda que se sobrepunha
à voz do padre concentrada no evangelho.

E que ali se esboçava qualquer coisa que eu deveria reter
com os meus olhos e as minhas emoções
entrecortadas de versos definitivos
a um ritmo completamente desordenado,
seguindo apenas o percurso agreste da verdade
que me feria por dentro
como feria aquelas mulheres.

E que a realidade fere mesmo
e rasga a organização da nossa vida
e atira-nos os pedacinhos rasgados à cara e diz-nos para repensar
refazer, reescrever os dias e os desejos.


...

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