segunda-feira, setembro 04, 2006


viagem l

Que ninguém me acorde enquanto a viagem durar. Quero fixar uma palavra em cada esquina do sonho, assim como se fosse um nome que não se pode esquecer, um destino que se quer agarrar com o reflexo dos dedos alongados na água. Chamo-me Veneza como a própria cidade e ando por aqui certa de que tenho apenas um dia para viver. À noite, quando as esplanadas estiverem inundadas pelo som dos violinos e as ruas se revelarem nos passos estreitos de quem entra ou de quem sai, já terei partido depois de deixar a minha máscara pendurada em algum lugar junto do cais. Pensarei nas gôndolas encolhidas no silêncio dos canais à espera de histórias de amor, extravagâncias, desejos secretos. Verei o Palácio Ducal onde encontrei o poder de outros tempos no revestimento das muitas histórias contadas em imagens, a prisão e a Ponte dos Suspiros com o bafo adormecido dos condenados, a moldura da Praça de S. Marcos, harmoniosa e definitivamente bela, as igrejas dedicadas ao Redentor, à Senhora da Saúde, o hospital com as portas da vida e da morte e o grande cais dos paquetes que mancham o momento com memórias de outros destinos. Que ninguém me acorde enquanto nesta gôndola a ondulação suave da água me embala o espírito como um afago uterino, uma viagem até à eternidade.


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