segunda-feira, janeiro 08, 2007

era uma vez



Como ando com um trabalho de pesquisa sobre tipologia de narradores, convidei para tomar um café um narrador que dominasse com mestria a técnica narrativa. Neste momento, estou dentro do carro e contorno a cidade para me encontrar com ele no jardim do Passeio Alegre. Pretendo ir a um desses bares debruçados sobre a praia, muito agradáveis nas tardes invernosas. A cidade é a mesma, o dia morrinhento, a longa e estreita marginal, o rio adormecido sob a solidez das pontes. Sinto-me um pouco nervosa, receio não estar à altura do narrador e ser engolida por teorias e mais teorias e o tempo fluir penosamente no céu sempre cinzento. Já passei o túnel, o Infante, a Igreja de S. Francisco, estou agora diante da antiga alfândega, um prédio imponente e marcante na paisagem ribeirinha. Não tarda nada e chego à Foz. Ocorre-me por momentos que o narrador pode não ser quem espero. Pode querer saber tudo ou então entrar mesmo na história que, hipoteticamente, poderia vir a contar-lhe, quem sabe até ter um papel principal. A dúvida adensa-se, e se tomar conta de tudo?, talvez até assumir a voz de todas as personagens?, e se me atrair para um labirinto de onde não possa sair mesmo que grite e alguém, porventura, me escute? Uma música qualquer rola na rádio sem me despertar para a magnífica imagem recortada entre o granito das margens. Chego ao local marcado para o encontro, o jardim está deserto, permaneço dentro do carro e espero. Volvidos uns minutos, vislumbro ao fundo, no pontão do farol, um vulto imóvel. O clique confirma o fecho das portas enquanto me dirijo, decidida, para o narrador. Decidida é um modo de esconder o medo, se bem que seja exagerado falar em medo numa situação completamente criada por mim. À medida que me aproximo soletro um cumprimento, um olá como vai, frio o tempo, local bonito este (quase mítico para mim que me narro). Não é o narrador que eu esperava este homem muito velho, não o cumprimento como pensava, foi com o senhor que falei ao telefone?, não, não tenho telefone, então bem… desculpe. Ao voltar as costas posso ouvi-lo a falar sozinho na direcção do mar.
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