segunda-feira, abril 16, 2007

tudo o que sei já lá está*



Se já estiveste no escorial, o mosteiro perto de madrid, dos filipes que foram de portugal também, podes concordar ou discordar de mim, embora eu não te ouça, caso passes por aqui em silêncio. Viste as paredes desnudadas das salas, as camas de dossel, solitárias, os tecidos empedernidos sobre a intimidade do vazio, nas camas. Aqui esteve, ali está o quadro. Se conseguiste acompanhar a voz de um guia ou levaste o roteiro sublinhado por ti: imperdível, a ver, se houver tempo, se não me fartar, podias ter atenção ao despojamento – afinal é um mosteiro – para realçar a filigrana em madeira das portas, de uma beleza intocável. Se seguiste as setas e desceste ao memorial, mausoléu, que nome tem não sei, viste o mármore vermelho, o candelabro, a luz mortiça. De um lado, os reis desde carlos quinto e primeiro pois que foi o primeiro carlos de espanha, mas o quinto do sagrado império romano germânico. Do outro, as rainhas, mas só aquelas que foram mães de reis. E chegava, pensavas, chegava de mausoléus. Mas não. Os príncipes, os jovens, as crianças que para sempre o serão, estão por ali também, túmulos e túmulos de mármore branco trabalhado ao pormenor. As entranhas de el escorial são um cemitério de linhagens. Quando vieste embora daquele lugar, que sensação experimentaste não sei, não sei que sensação experimentei. Tiveste tempo ainda para a biblioteca e, de repente. Tudo estava vivo. Sentias o conforto das paredes forradas de armários, recheados de livros. Os livros raros falavam, abriam-se para os teus olhos ávidos; as iluminuras de cores brilhantes pareciam gritar uma época dita de trevas, mas plena de novidades; as cantigas, numa caligrafia enigmática, desafiavam-te para as decifrares; as pautas musicais sugeriam-te sons e danças de um qualquer filme perdido na memória. O mundo suspenso no tecto que a foto documenta era indiferente à tua presença mas, lembraste o poema de ramos rosa que tanto amamos e ali inscreveste os teus passos.


* António Ramos Rosa
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