retra(c)tamento

A pelicana entregou-me a grelha que deveria prencher e avisou-me que a partir daquele momento tinha estabelecido uma nova regra a ser respeitada sob pena de pesadas sanções. Olhei o papel com indiferença mesmo sabendo que aquilo corresponderia a uma radiografia à minha capacidade profissional. Atenta ao meu comportamento a pelicana começou a bater com a caneta na secretária, ouvi-lhe então, quase um sussurro, a proibição de tratar os reis como se fossem meus iguais: D. Sebastião, D. Henrique, e mesmo D. Filipe I, não podiam ser postos ao nível do comum dos mortais. Realcei que sempre foi assim que me apropriei da história, e que o tratamento que dou a estas majestosas e magnânimas e sereníssimas figuras só pode reflectir o interesse que lhes dedico. Lembro-me que, naquele momento, a pelicana se levantou, contornou a secretária e se aproximou de mim ameaçadoramente: “tudo o que disseres pode voltar-se contra ti, portanto a primeira regra é calar; tudo que escreveres pode servir a tua acusação, pensa bem o que vais escrever; tudo o que fizeres que não esteja no regulamento pode argumentar a tua exclusão. E agora escreve os teus objectivos, ou melhor, as competências em acção. Escreve!” Vejo-me sozinha, a secretária está vazia, a pelicana, a que está e fez história, é apenas a mãe de antónio, prior do crato. Não há qualquer referência mais aprofundada a esta mulher, nem no manuscrito, nem na net, nenhum link, nenhum vestígio a não ser o filho e o ocasional luís infante com quem se teria cruzado, onde, quando e porquê, ainda não sei. O verdadeiro nome era violante como agora é vanessa, e para não se pensar que era ninguém dá-se-lhe uma família judia e fica tudo dito. Procuro um argumento para continuar a tratar as altíssimas figuras desta forma tu cá tu lá, mas em vão. A qualquer momento a outra pelicana virá ler a grelha e vou levar nas orelhas, como se diz, por ainda não ter aplicado a regra. Por agora faço delete e copio as palavras como manda o catecismo.

foto: Armação de Pêra

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