sexta-feira, abril 04, 2008

le petit prince




A raposa jazia estendida na berma da estrada cantábrica. Era pequena, amarelada, pouco ensanguentada, o corpo quase inteiro. À velocidade a que o carro circulava rapidamente saiu do ângulo de visão e o comentário à cena foi inócuo. Uma raposa. No banco traseiro acendeu-se uma luz de perguntas. Onde, de que cor, que tamanho, a cor dos olhos, e o rabo era um rabo de raposa, estava morta? Desta vez não me apetecia dizer a verdade. Não estava morta, cruzou a estrada, foi ligeira a atravessar, mal se viu. Era pequena, o pêlo amarelo torrado, o rabo farfalhudo, os olhos cinzentos, muito bonita. O sossego foi reposto. Nem a catarina dizia nada. O indicador de distância no ecrã do gps prevenia-nos que só muitos quilómetros à frente a sua voz se voltaria a ouvir. Do lado direito o mar, do lado esquerdo as montanhas numa combinação assombrosa de realidade e fantasia. Faz sentido que o herdeiro de espanha seja príncipe das astúrias, uma terra-mãe, se me permitem o pleonasmo, imponente e avassaladora, ibéria de pelágio, herói da reconquista e lugar de seres imaginários que ia conhecendo pela leitura atenta que o miúdo lá atrás ia fazendo do livro das mitologias asturianas. El trasgu, um duende familiar, pequeno e muito travesso, que quando bem tratado ajuda nas tarefas, (imagine-se o que faz se for maltratado); las xanas, ninfas que vivem perto dos rios onde lavam os cabelos que depois penteiam com lindos pentes de ouro; el loberu, um ser estranho que foi criado com os lobos; la güestia, uma procissão nocturna de almas penadas; el busgosu, o espírito do bosque, com aspecto humano mas com patas e cornos de bode; el pataricu, ser medonho antropófago de um só olho que habita a zona costeira; el sumiciu, um duende caseiro muito travesso que é quase invisível de tão pequeno e que pode causar muito dano às crianças adelgaçando-as pouco a pouco até as fazer desaparecer. E um sem número de outros, os asustaniños, seres que os adultos utilizavam para que os miúdos se portassem bem: el hombre del saco, el farronco, a sanguinária maria cuchilla, el papon, el diablucu, el chupasangres, uma floresta de regras e interditos que despertavam a curiosidade e o medo, ingredientes modeladores da personalidade de cada um e que, a par da coragem, definem a essência do ser humano. Revi a raposa morta e lembrei-me da amiga do principezinho, dos laços criados que ajudam a descoberta das potencialidades de cada um, enquanto o meu príncipe no banco de trás pedia pela centésima vez para ouvir o cd dos da weasel. Yeah, yeahhh, na na nana.

foto: picos da europa, astúrias

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