sexta-feira, julho 27, 2007

é que o meu sonho usual me atrai*




Preciso de outras paisagens:
Quero a encosta arenosa,
Duas sorveiras frente à casa,
Cancela, cerca estragada... *


*Púchkin, lido e interpretado por Anna Akhmátova in, Prosas Escolhidas e Poema Sem Herói,
Relógio D' Água



Púchkin referia-se ao norte, mas o sul cumpre também lindamente o sonho.


Foto: Cacela Velha

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quarta-feira, julho 25, 2007

Dos livros


Respondendo ao convite da Ida ,vou falar de cinco livros que neste momento me ocupam o tempo.

Dizem que uma pessoa não se define por aquilo que lê, mas por aquilo que relê. Nesse caso, começo por dizer que estou a reler o Moby Dick, de Herman Melville. Tenho aqui uma edição péssima, faz parte de uma colecção do Público que saiu há tempos atrás, supostamente para jovens, mas uma tradução intragável e absolutamente desaconselhada para jovens. Até parece uma dessas ferramentas da net que servem para traduzir os blogues. Bem, esta leitura serve para colaborar com o Leitura Partilhada, um clube de amadores-leitores onde vamos deixando as nossas opiniões sobre um livro previamente seleccionado.

Um outro livro que vou lendo aos bocadinhos é o Húmus, de Raul Brandão. Sou vidrada naquela descrição inicial da vila, e depois tudo o que se segue.

Acabei ontem de ler o livro Peregrinação de Barnabé das Índias, de Mário Cláudio, uma versão alternativa da viagem de Vasco da Gama. Há aqui dois narradores: a figura de referência, Vasco da Gama, e a personagem inventada, Barnabé, um judeu. A maior parte do tempo narrativo vemos a história pelo lado de Barnabé, mas os acontecimentos charneira estão lá: a partida do Restelo com a presença do rei D. Manuel I; as ilhas afortunadas, o mostrengo, a traição do guia, a chegada a Calecut, a confusão entre a divindade local e Nossa Senhora. Quem gostar de história tem aqui um bom aperitivo, a par das Naus, de LA.

De Lobo Antunes ainda, estou a iniciar o Que Farei Quando Tudo Arde. O estilo não é pêra doce, sei que o autor desafia o leitor constantemente, ali não há nenhum guia turístico, é cada um de nós que tem de se desenrascar, pois. Eu adoptei um estratagema, divido a narrativa em duas partes, os narradores de um lado, e as peripécias do outro, separo as águas, e logo verei o que dá. O título deste livro é um verso de Sá de Miranda, que vale muito a pena conhecer também.

O último livro que refiro é O Terrorista, de John Updike. Um dia estava numa livraria e, por já ter lido algum comentário acerca dele, folheei-o um pouco e dei conta de uma situação inicial em que se fala dos professores, quem são esses professores? Bem, certamente que tem a ver comigo. Claro que já sei a trama, mas isso não incomoda nada a minha fruição da leitura.

Sobre outros falaria e em particular de Lispector, mas isso qualquer visitante deste blogue sabe.

Lamento mas não consegui fazer a lista, está tudo misturado aí em cima.
A quem passaria? Lembro a fada- madrinha moriana, a Belém que me levou para o leiturapartilhada, a azuki com quem tenho partilhado tantas leituras, o Duarte amigo, o Gabriel de nome tão expressivo, a Isabel pintora, a doce Helena, a caracolinha divertida, a evva tão perto de mim, amados leitores que alimentaram a escrita desde o princípio. Que lerão eles?
De mim sei o que sou sem escrever, mas não sei o que seria sem ler.

segunda-feira, julho 23, 2007


quinta crónica de inês

A linda inês tinha-lhe suplicado a vida a troco do exílio, comparara as feras com os seres humanos, sendo aquelas mais humanas do que estes. Chorara, lembrando a loba que alimentou remo e rómulo, pedira clemência, prometera deixar pedro, sair pelo frio da noite quando a vila estivesse a dormir, tudo em troco da vida, não aquela que as histórias lhe davam, mas a vida de respirar, de sentir o frio e o calor, de envelhecer com lembranças à volta. Para afonso, aquelas comparações não tinham sentido nenhum. A bem da verdade, nem se preocupara em compreendê-las, pois só quando o poeta as cristalizou em versos no terceiro canto dos lusíadas é que começaram as riscar lágrimas de beleza e dor. O que o preocupara era acabar com aquela farsa uma vez por todas. Errara na escolha da mulher para o filho, primeiro a branca que nunca se fez mulher, depois a constança manoel que fora casada em palavras de futuro com afonso castelhano, dito o bom, o qual a repudiaria em troca da fermossísima maria, sua amada filha, e por fim aquela chorona, que não fora escolhida, claro, mas que acontecera, e o acontecer não podia entrar nas coordenadas do poder, e o pedro sabia muito bem disso. Bonita era ela, e os filhos, sempre pensara em três, pareciam aterrorizados. Por que raio de sorte tinha de ser ela daquela gente? Certo é que a história devia ser cumprida e seria ele o mandante. Contudo, afonso ignorava a reacção do filho, a sede de vingança em sangue, ignorava o macabro cortejo nocturno de sessenta quilómetros até alcobaça ao gosto gótico de quem espera o beija-mão, para confirmar com os olhos que a terra há-de comer que sim, que foi verdade. Ignorava as trovas de garcia de resende, a castro de antónio ferreira, camões, manuel figueiredo, faria e sousa, afonso lopes vieira, agustina, herberto hélder, ignorava fernão lopes e tantos, tantos outros. Os vizinhos que se aperceberam das estranhas movimentações na casa do gago amontoaram-se à porta e abriram alas para a cadeira de rodas do velho empurrada por diogo lopes pacheco. Dois conselheiros ficaram lá dentro a concluir os pormenores. Algo se tornara confuso para afonso, aquele povo não devia estar ali, como era possível a arraia miúda envolvê-lo nessa hora? Não era aquele lugar o paço de santa clara? E não devia ser inverno?



nota1: não me atrevi a mexer no rumo da história, aceito-a. os nomes que cito, para além de camões, são de todos aqueles que construiram o mito.
nota 2: a imagem é de uma das fontes nos jardins do palácio de cristal, no porto.
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quinta-feira, julho 12, 2007

quarta crónica de inês
Inês estranhou o telefonema do sogro, sabia do ódio que ele sempre lhe demonstrou. Quando a olhava, estava ela ainda na companhia de constança, parecia que os olhos a cobriam de culpas, e não só por já andar enredada com o pedro, mas porque pertencia àquela família, de cujo chefe, afonso era inimigo figadal. Por isso, achou por bem falar com os filhos e dizer-lhes que deveriam estar na sala quando viesse o avô, ainda para mais com o pai tão longe. Eles seriam os homens da casa, além de que passavam tempo de mais a jogar, o que só lhes fazia mal. Os filhos protestaram porque estavam de férias e agora que podiam jogar o tempo que lhes apetecesse é que tinham de estar a fazer sala para um avô que nunca lhes ligou a mínima. Enigmática, inês explicou-lhes que era melhor ficarem na sala, que até podiam servir para impedir alguma discussão que pudesse acontecer e, quem sabe, na sala também poderiam ver punhais e sangue verdadeiro enquanto nos jogos era tudo a fingir. Foi aí que os filhos prestaram mais atenção à mãe e se olharam mutuamente incrédulos, pelo que inês logo remediou ser tudo mentira, estava a brincar. Mas mesmo assim, foi adiantando que no fim de tudo ficariam dois túmulos no mosteiro de alcobaça da grande beleza artística, um voltado para o outro, para o juízo final ser a continuação de um grande amor. Então os filhos perguntaram: e nós? E a mãe perguntou: e vós? E nós perguntamos: e eles? Eles seriam infantes, teriam o apoio da leonor de teles, a má, e do formoso fernando e tudo estaria bem se não fossem herdeiros. Mas isso é muito mais tarde, agora temamos por inês.



imagem: Brent Heighton


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quarta-feira, julho 11, 2007

terceira crónica de inês

Apesar da cadeira de rodas, o sogro de inês é um homem realizado. Na trindade avó – pai – filho, ele ocupa o lugar do meio neste momento e, fora a estroinice das lutas com o pai por causa da herança que ia ser dada ao sonso afonso sanches, conseguiu o respeito sincero de todos os vizinhos pela actuação que teve na tal lide de tarifa e vingou a honra da santa mãe que tão pequena veio de aragão, triste e saudosa, convencida de que podia fazer milagres de paz e pão abençoado com pétalas de rosas, e está agora em santa clara intacta e serena. Quanto a dinis, já lhe foi visto o esqueleto e confirmada a dentadura completa que é a melhor prova de que gozou sempre de boa saúde enquanto viveu, e foi longa a vida. Mas afonso está de olhos voltados para o futuro e o futuro são os filhos. Tem pena, sinceramente, pena da filha como tivera da mãe, ambas chorosas pelo comportamento leviano dos maridos sem consideração pelo casamento. Os deveres de lealdade foram sempre de sentido único, delas para eles. E como o choro de um guerreiro é respeitado em silêncio, afonso não esconde as suas lágrimas de raiva quando fala das duas, nos momentos em que uma taça de vinho transborda em saudades pelo seu rosto austero e franco. O filho também o preocupa, nunca o conseguiu segurar. Arredio e brigão, não aceita nenhum conselho e, a léguas de distância (nem visita o pequeno fernando da legítima), mantém-se informado das movimentações à volta da herança enquanto aumenta a prol com aquela amásia inês. E por se lembrar que a aia de constança tinha uma costela de afonso sanches convocou os conselheiros para tirar umas dúvidas e auscultar opiniões.



foto: Quinta das Lágrimas, Coimbra


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sábado, julho 07, 2007

segunda crónica de inês

Outra coisa que inês sabia era o papel do sogro na sua história, mas dizer isto é básico e não leva a lado nenhum. Inês sabia o papel do sogro na história. Lá no fundo, tinha pena da cunhada maria, recolhida em sevilha enquanto o marido, dito o bom, a trocava pela guzmán e pouco pio que quem mandava era ele. E maria, a fermosíssima, apesar de ter direito a papel principal e lugar cativo nos lusíadas canto três, ia chorando por todos os cantos envolta em grande tristeza. De modo que, quando lhe disseram que viria a lisboa falar com o pai, a ver se ele ia dar uma mão ao genro para mandar os inimigos definitivamente para o outro lado, rejuvenesceu dez anos e começou logo a pensar nas roupas que deveria comprar e nas cores dos véus com que cobriria o rosto. Pena que inês não a pudesse visitar. Com os filhos na escola não era fácil ir assim a lisboa, paciência. De alguma forma, algum dia ainda se voltariam a encontrar, quem sabe o poeta ainda as colocasse tão próximas no poema épico que quase se pudessem tocar, se estendessem os braços para fora das oitavas do terceiro canto. Satisfeito com este pedido do castelhano, afonso, que inês dizia ser seu sogro, mandou chamar o seu meio-irmão, o conde de barcelos, o prior da ordem do hospital que levava numa mala a vera cruz de marmelar, e outros que contribuíram para as despesas de deslocação, estadia e materiais de apoio para a lide de tarifa, como maravilhosamente registou o conde no seu livro de linhagens, mas que inês também está habituada a chamar a batalha do salado.



imagem IPPAR : Padrão da Batalha do Salado, Guimarães (pormenor dos capitéis figurativos no arranque da abóbada).



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quinta-feira, julho 05, 2007

crónica de inês


Inês sabia representar aquele papel, conhecia todas as interpretações que faziam dela e do gago, gostava de chegar a casa, dar o jantar aos filhos e depois deitar-se no sofá a pensar no vazio e adormecer. Colo de garça parecia ela ouvir por detrás dos olhares aparentemente cordiais enquanto sorria timidamente. Não a incomodava o duplo sentido da expressão. Gostava de alimentar aquela corrente com suposições e certezas acerca dela com o gago, e dela sem o gago. Por isso, todos os dias depois de mandar os filhos à escola, fazia questão de se sentar no banco do jardim e riscar no chão de terra batida o nome do seu marido que estava em espanha há um bom par de anos, mas que ninguém esquecia porque, quando vinha de férias no verão, pagava rodadas e mais rodadas de cerveja nos bares da vila e ai de quem brincasse com a honra da família que logo ali se resolvia um destino como quem torce o pescoço a uma galinha. A verdade é que nunca ninguém brincou com a honra da família, pensava ele, mal, pensava ela. Contava-se até uma história, muito em segredo. Que este gago pedro gostava de sangue humano a latejar num coração quente. Claro que ninguém tinha a ousadia de dizer fosse o que fosse com receio de ficar sem coração. Pedro ia vivendo naquele engano de alma que a realidade não deixa durar muito, enquanto inês educava os filhos no respeito pelos velhos, pelos animais e pelas plantas, e os filhos concordavam com os conselhos e corriam para a consola de jogos ou para a internet e que ninguém os incomodasse. Os da vila não levavam inês a sério, embora não o dissessem directamente como se sabe. Achavam-na louca, não só por riscar diariamente o nome do marido na terra batida ou por falar com as boninas quando brotavam no meio da relva do canteiro onde havia um busto de luís de camões, mas também por estar convencida de que um dia seria rainha e todos lhe beijariam a mão.

Imagem: José Guimarães, Inês de Castro



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segunda-feira, julho 02, 2007

preço europeu




ou a ribeira do Porto à espera de Cesário.
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passou na televisão


De uma moradora em Miragaia sobre a reunião dos grandes da Europa, na Alfândega do Porto, hoje, abertura oficial da presidência portuguesa da União Europeia:

- Vi tanta gente por aí que pensei ser a festa do marisco...

Deve ser mais ou menos isso.

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